
Se
a praia é um lugar democrático onde todas as raças,
credos e classes sociais convivem pacificamente tostando naquela farofada
de dar gosto, o ônibus é a ditadura sobre quatro rodas.
Convenhamos,
ninguém mente bem o suficiente para convencer que realmente gosta
de dividir seu transporte com mais de quarenta estranhos. Do motorista
até o cobrador, todo mundo gostaria de estar em outro lugar.
Exceto aquele pervertido esquisitão que se amarra em sarrar velhas
gordas. Mas não podemos levar em conta a opinião de um
indivíduo que tem tesão em peitos caídos.
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Entrando
no coletivo
Coletivo é o apelido chique dos ônibus.
Pau-de-arara seria mais apropriado, mas não estamos aqui para
discutir nomes. O inferno continuaria sendo quente e abafado mesmo se
fosse chamado de outra coisa.
Adentrar em ônibus é um atestado de pobreza
e a garantia de pensar que, naquele mesmo momento, existe alguém
indo para o trabalho de helicóptero. Além disso, é
necessário realizar três ações de natureza
similar e funções diferentes:
.
Olhar todos os passageiros para ver se tem alguma mulher gatinha;
. Olhar todos os lugares para ver se existe algum assento vago
perto de uma mulher gatinha;
. Olhar todos os lugares para ver se existe algum assento vago
perto de uma mulher gatinha e longe de algum potencial meliante.
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É
dor de barriga?
Uma habilidade indispensável para quem
anda muito de ônibus é a arte de fazer cara de mau.
Assim como aquele sapo venenoso usa sua pele colorida para afastar os
predadores do pântano, você precisa abandonar esse ar de
"filhinho da mamãe" e assumir uma postura de poucos
amigos para sobreviver.
Existem algumas expressões clássicas,
como a cara fechada significando "Tá olhando o
quê?", a postura de mistério e confiança
"Eu tenho uma faca no bolso" e o sempre
eficiente semblante de "Eu fui jagunço no passado
e tenho mais de trinta mortes nas costas".
No entanto,
o fator adaptação é essencial. Se a cara de bandido
dos outros passageiros for muito melhor do que a sua, o melhor a fazer
é mudar de estratégia e fingir alguma doença mental.
Ninguém tem saco de ficar mexendo com o cara que fica babando
e dando tapas em si mesmo.
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Os
mocinhos
O ambiente
do coletivo cria alguns personagens pitorescos. Você os conhece
porque toda viagem precisa ter um. Abaixo seguem três exemplos
dessa gente inofensiva:
O velho
sábio - Ele sabe de todas os assuntos entre o
céu e a terra. Mestre das verdades absolutas do universo, também
pode prever se vai chover e não se cansa de dizer que no tempo
dele as coisas eram diferentes. Sim, ele vai puxar assunto com você
e repetir, de dez em dez minutos, que a juventude de hoje está
perdida.
A senhora
que compartilha - O filho que se meteu com drogas, a
filha com cisto no ovário, o sobrinho paralítico e o marido
espancador. Você vai ouvir uma história triste sobre cada
parente dela toda vez que sentar ao lado da senhora que compartilha.
Seja um bom rapaz e faça cara de triste.
O
passageiro cabide - Ele é gentil, segura bolsas
de crianças, meninas, senhoras e qualquer outro ser humano que
esteja de pé carregando alguma coisa. Ninguém sabe porque,
seus motivos são desconhecidos. Esse fetiche nem Freud explica.
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Os
bandidos
O outro lado da moeda (e do vale-transporte)
é que também existe toda uma galeria de vilões
no mundo do transporte coletivo. Vejamos:
A passageira tuberculosa - Ela
tosse como um cachorro, espirra líquidos esquisitos e tem um
tom amarelo na pele. Pior do que ter um ônibus como sua última
visão é saber que você morreu por causa de uma maluca
com o único caso de Ebola registrado no país.
A coroa varizenta - Varizes que
mais parecem um mapa rodoviário somadas com a péssima
idéia de vestir saia em um dia de calor. Tudo bem, a culpa não
é dela, mas você também não é obrigado
a ficar olhando para a coroa varizenta. Ainda mais se ela for peluda.
A
velha que reclama - Na realidade, este personagem é
o mesmo presente nas filas de banco. Aquela velhinha que sempre reclama
primeiro e repete "Isso é um absurdo" o tempo todo.
Azar o seu que ela resolveu pegar o mesmo ônibus que você.
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Abraçando
a liberdade
Antes de considerar a batalha vencida, é
importante lembrar que descer do ônibus também é
uma operação complexa.
Você, que manteve a postura de mau durante toda
a viagem, conseguiu não ser incomodado ou assaltado e inclusive
se deu ao luxo de tirar um soneca, precisa combater a Lei de Murphy.
Caso contrário, certamente algo vai sair errado.
Pode ser um tropeção no caminho entre
o banco e a porta de saída, uma topada ou simplesmente o motorista
passar do seu ponto. Tome cuidado e não relaxe muito
só porque está chegando no final da viagem.
Legal,
terminou! Agora, para ficar tudo certo, é só evitar pensar
na estranha sensação de que todos no coletivo estão
te olhando andar na rua e começaram a falar mal assim que você
desceu.
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Uma
nota sobre romance
Nós também passamos algumas madrugadas
solitárias e felizes vendo a Sônia Braga liberar a "Gabriela"
para qualquer desconhecido que encontrava no ônibus em "A
dama da lotação". Mas a triste verdade é
que você não vai pegar ninguém sem ter um carro.
Aquelas histórias que você ouviu da prima
da amiga da sua tia sobre o casal que se conheceu no ônibus são
balela. Apenas lendas urbanas criadas para dar esperança e tornar
a viagem mais suportável.
Os
conceitos de ônibus e sexo não combinam. Quer dizer, o
pervertido esquisitão que se amarra em sarrar velhas gordas discorda.
Mas não podemos levar em conta a opinião de um indivíduo
que tem tesão em obesas vestindo short de lycra.
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