Na
batida do axé, o ritmo contagia a multidão e enche os bolsos
de quem comanda a festa. Eventos com trios elétricos e muita bebida
são aguardados com ansiedade por "garotas douradas" e
"meninos do rio" que podem até perder a praia, mas não
erram nenhuma coreografia. Sem dúvida, as micaretas conquistaram
a juventude das grandes cidades do Sudeste do Brasil.
Afinal,
o que a Bahia tem para fazer tanto sucesso? Qual é o segredo das
micaretas e quem são os jovens que pagam os olhos da cara para
comprar um abadá de gosto duvidoso?
Um negócio baiano da China
As micaretas
realizadas fora da Bahia reúnem mais de 10 milhões de participantes
por ano, movimentando um bilhão de reais e criando centenas de
coreografias sem sentido. Com valores dessa grandeza, quem não
vai atrás do trio elétrico bom sujeito não é.
Ou é doente do pé ou ruim de trocadilhos e citações
famosas.
"Nosso
público-alvo são os jovens de 14 a 25 anos que buscam um
local seguro para encher a cara e fazer sexo selvagem sem compromisso.
Por isso gosto de pensar que sou um cafetão de multidões.
Inclusive, comprei um terno rosa, daqueles com uma pena no chapéu,
para usar durante os eventos", conta Josival Mamede,
um dos mais famosos produtores de micaretas no Rio de Janeiro.
E realmente
a bebida abundante parece ser o grande atrativo desses eventos ao ar livre,
onde conforto e higiene não são os pontos fortes da organização.
De acordo com pesquisa realizada com 300 freqüentadores assíduos
de micaretas, 42,5% das meninas consideram que se divertiram de verdade
no evento somente quando chegam em casa sem calcinha, enquanto 37% dos
rapazes gostariam de assistir à concertos de música clássica,
desde que pudessem ficar bêbados e sem camisa.
Dança da manivela da caixa registradora
Mas
se o importante é a manguaça e a música é
apenas um acessório, porque escolher logo os ritmos baianos para
embalar a sacanagem etílica? Intrigados com essa pergunta,
encontramos a psicóloga Fernanda Lúcia, especialista em
sociologia e fisiologia juvenil, que discorda dos resultados da pesquisa.
Segundo a
Dra. Lúcia, a música baiana desempenha três importantes
funções, formando um verdadeiro círculo de atração
para a juventude cheia de hormônios. Para começar, as letras
de duplo sentido tão comuns nos ritmos da Bahia são a desculpa
social perfeita que as meninas precisam para se esfregar sem sofrer a
censura da sociedade:
-
A música manda mexer na bundinha, botar a mão
no joelhinho e brincar com o bolagatinho. Ouvir e seguir as orientações
coreográficas de uma letra assim, em alto e bom som, é uma
catarse coletiva para as meninas que viviam de castigo durante a infância
só porque insistiam em brincar de médico e submarino com
o vizinho. É a desculpa social perfeita para a feminilidade reprimida
pelos valores pequeno-burgueses da classe média brasileira.
Por outro
lado, para os homens modernos que desde a mais tenra idade descobrem o
caráter gratuito e libertador da pornografia na internet, a música
baiana não passa de um batuque sacal causador de dores de cabeça
terríveis. A cefaléia, no entanto, pode ser o menor dos
problemas se considerarmos que alguns acordes mais agudos podem atingir
o cerebelo, comprometendo o equilíbrio do corpo, e os pontos do
cérebro responsáveis pela fala e decodificação
da linguagem.
"Impossibilitados
de conversar com o sexo oposto, que está muito ocupado em seguir
as coreografias sexuais ditadas pela música, os jovens machos recorrem
ao álcool para aliviar seu sofrimento. A bebida altera a química
do cérebro, melhorando seu funcionamento nesse ambiente hostil.
Aos poucos eles conseguem entender os comandos da música e logo
começam a seguir os passos das mulheres, formando uma linda dança
do acasalamento", conclui a especialista Fernanda Lúcia.
Fenômeno pode provocar evolução
da espécie
Dos
inúmeros efeitos provocados pelo sucesso das micaretas, poucos
poderiam apostar em um salto evolutivo da espécie. Mas, segundo
a equipe de biólogos chefiada pelo médico italiano Fabio
Bello, é exatamente isso que está acontecendo.
Seguindo
as teorias de Darwin, a seleção natural se encarrega de
consolidar o domínio dos espécimes mais adaptados ao meio
e, portanto, com mais chances de procriar e transmitir seus genes. Os
estudos do Dr. Fabio revelam características mutantes interessantes
na geração que está nascendo das micaretas:
- As
fêmeas demonstram o desenvolvimento de um apurado sistema olfativo-visual
para identificar o nível alcoólico do macho. Afinal, todos
sabem que a performance sexual e, por conseqüência, a capacidade
reprodutiva varia significativamente de acordo a quantidade de álcool
no sangue. Por sua vez, os machos desenvolvem a musculatura dos membros
superiores para evitar a fuga de suas presas. Os membros inferiores, no
entanto, permanecem inalterados em razão da abundância de
fêmeas nas micaretas, fato que diminui a necessidade de perseguir
o alvo por grandes distâncias.
Apesar de
recente, essa mudança genética já começa a
afetar outras castas de nossa sociedade que historicamente possuem graves
dificuldades de procriação. Vejamos, por exemplo, os poucos
roqueiros sujos, nerds e homens simplesmente feios que conseguem uma fêmea
e, na maioria das vezes, devem seu sucesso ao estado etílico de
ambas as partes. Porém, com essa evolução feminina,
esse fenômeno está cada vez mais raro.
Outro
setor altamente prejudicado é o de esportes, sobretudo o atletismo,
ciclismo e o futebol. Como os membros inferiores dos machos permaneceram
inalterados enquanto a porção superior do crescia em massa
e volume, o equilíbrio corporal sofreu alterações,
diminuindo as possibilidades motoras necessárias aos desportos.
Os dados do futebol carioca corroboram a teoria do Dr. Fábio Bello:
- Há
30 anos o futebol do Rio de Janeiro lançava uma média de
40 craques por temporada. Na década seguinte, foram apenas 22.
Nos últimos dez anos a produção de craques caiu para
7 e nossas projeções apontam que o número tende a
zero no período até 2010. Se eu vejo isso como problema?
Certamente não. Principalmente porque sou italiano e a falta de
craques brasileiros renova as esperanças da Itália no futuro.
Acreditem, ainda estamos com aquela Copa de 94 entalada na garganta.
A festa da música Tupiniquim com
azeite de dendê
Mesmo
com tantos dados científicos sobre o caráter nocivo das
micaretas, sua curva de crescimento não parece ameaçada.
Pelo menos é o que nos revela uma pequena análise dos últimos
anos, onde muitas tentativas de exterminar o ritmo repetitivo foram feitas,
mas sem obter nenhum progresso significativo.
Uma
delas foi a inserção de Carlinhos Brown no meio músical
das micaretas. Especialistas acreditavam que ele tinha o talento
necessário para acabar com a popularidade da música baiana
por pelo menos vinte decádas. Porém, os fãs do segmento
se mostraram mais fiéis do que realmente são quando estão
no esfrega-esfrega atrás de algum trio elétrico. Como em
um casamento, eles continuaram prestigiando as festas, mostrando que a
micareta ferve na felicidade e na tristeza, na saúde e na doença,
na Ivete Sangalo e no Carlinhos Brown.
Outra
investida de peso foi a promoção de festas de música
eletrônica, também conhecidas como "raves", por
todo Brasil. O objetivo era dar um fim na onda das micaretas de duas maneiras:
ou mudando realmente o gosto da massa ou simplesmente matando os jovens
de overdose com ecstasy. Por alguns meses, parecia que finalmente
seria a morte do gênero baiano, porém o tiro saiu pela culatra.
Os homens por trás desse plano maquiavélico não perceberam
uma falha simples. A música tocada nas raves é tão
simplória e com o mesmo batuque sacal presente em qualquer micareta.
Logo, não demorou muito para surgir na cidade de Manaus, em plena
Floresta Amazônica, a primeira "ravereta" do país.
Realmente o nosso futuro não parece muito promissor.
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