As
mudanças que as tecnologias de comunicação e entretenimento
proporcionaram em nosso cotidiano são uma realidade. Não
custa recordar, no entanto, que por muito tempo a juventude brasileira
se divertiu de forma bastante satisfatória com carrinhos de rolimã,
para os meninos, e bonecas, para as meninas - e meninos criados
pela avó. Assim como brincadeiras de médico, pique-cola
americano e outros jogos de interação semi-inocente entre
os sexos.
Hoje, as
crianças e adolescentes parecem que nascem coladas aos seus videogames.
Jogos de simulação como “The Sims” pela primeira
vez superaram o volume de vendas das bonecas Barbie em São Paulo
(dados da capital) e, na semana passada, uma pesquisa entre 3000 jovens
de 10 a 15 anos revelou que 86% trocaram as brincadeiras de médico
pelo exibicionismo em webcams por meio dos comunicadores instantâneos
como MSN Messenger e ICQ.
Além
de criar uma geração inteira que não saberá
ter relações sexuais sem a presença de uma câmera
- ou, no mínimo, um espelho no teto - quais serão as conseqüências
dessa tendência em nossas crianças a médio e longo
prazo? Essa foi a pergunta que fizemos a diversos especialistas
em tecnologia, sociologia e antropologia.
Máquinas
digitais - A imagem do esquecimento
70%
da população mundial não terá fotos de sua
infância em 2040. A afirmativa é do instituto de
tecnologia aplicada a criança e adolescente de Iowa, e a grande
vilã dessa história é a fotografia digital.
Com o barateamento dessa tecnologia, a fotografia digital
ficou mais comum e já é utilizada por 45% das famílias
de classe média no mundo inteiro. Porém, quase a totalidade
dos que utilizam esse recurso tem conhecimento limitado sobre computadores
e acabam fazendo tanta besteira em suas máquinas pessoais que o
único recurso para consertá-las é formatando e perdendo
para sempre os seus arquivos, inclusive as fotos.
Os poucos que se preocupam em fazer "backup"
de suas fotos, utilizam mídias de baixa qualidade que corrompem
os dados gravados. O resultado disso é a perda de registros preciosos
da vida particular e os momentos que antigamente eram eternizados pela
fotografia tradicional são destruídos pela incompetência
digital.
Um levantamento
realizado entre Janeiro de 2002 a Janeiro de 2005 acompanhou 100 famílias
que receberam máquinas digitais para registrar o desenvolvimento
dos seus filhos durante os três primeiros anos de vida. O resultado
é assustador: 71 crianças tiveram suas fotos perdidas para
sempre por descuido dos pais. Do restante, somente 5 crianças
ainda possuem todas as suas fotos desde o primeiro mês de vida.
17 perderam parte de suas fotos e 4 crianças não tiveram
nenhum registro pois os pais esqueceram que estavam participando de tal
pesquisa. Infelizmente, 3 crianças morreram e os pais ficaram furiosos
quando procurados pelos pesquisadores perguntando sobre as fotos dos defuntinhos.
Para George
McDouglas, esses números servem para alertar os adeptos da nova
tecnologia: "Se quiser continuar registrando momentos de sua vida
com uma máquina digital, dê preferência para aqueles
momentos que você não vai fazer questão de lembrar
daqui a alguns anos, como aquele porre na festa do escritório,
o aniversário da sogra e o dia do seu casamento. Utilize
a máquina fotográfica convencional para os momentos que
devem ser realmente inesquecíveis, como o porre do seu chefe na
festa do escritório, o funeral da sua sogra e a sua despedida de
solteiro".
Blogs - Diversão para quem
não tem amigos
Os homens
de hoje que cursaram o ginásio até o início dos anos
90 morriam de curiosidade para ler o “querido diário”
daquela menininha do colégio. Afinal, se muitos segredos eram descobertos
nos cadernos de perguntas e respostas passando de mão em mão
na sala de aula, provavelmente o Santo Graal de todos os mistérios
se encontrava dentro daqueles diários cor de rosa com fechadura
dourada.
Testemunhas
silenciosas de paixões secretas, dúvidas juvenis e dos primeiros
sonhos eróticos de muitas meninas, os diários também
foram tema de 64% dos filmes veiculados na Sessão da Tarde da Rede
Globo até hoje. Assim como aparecem em pelo menos 83% das produções
pornográficas americanas que contém as palavras “Cheerleader”
e “Anal” no título.
Com a internet surgiram
os blogs pessoais, e as meninas modernas descobriram que podem perder
tempo escrevendo inutilidades de forma muito mais eficiente do que faziam
no passado. A troca dos cadernos rosas pelo mundo virtual, no entanto,
acabou com a fantasia de milhões de meninos ávidos para
entrar no mundo - e nas calcinhas - de suas colegas de turma.
Abertos ao público
na internet, a Caixa de Pandora dos diários revelou finalmente
sua farsa. Afinal, quem efetivamente perde tempo escrevendo seus amores
e desamores são as amigas gordinhas das meninas bonitas.
Por sua vez,
a maior parte das meninas bonitas apenas lê os escritos das amigas
gordinhas para poder falar mal, pelas costas, da baleia encalhada. De
fato, as garotas populares do ginásio não têm tempo
de se dedicar a esse tipo de atividade, pois estão ocupadas demais
ensinando os prazeres da carne aos jovens cheios de hormônios do
segundo grau.
Segundo a
especialista em infância e adolescência da Universidade Federal
do Rio de Janeiro, a psicóloga Vanessa Fernandes, “existem
exceções, é claro, mas por acaso algum menino de
13 anos está realmente interessado em saber o que sua colega de
classe precocemente desenvolvida tem a dizer? Certamente que não.
Aliás, esse simples fato explica, em parte, o enorme sucesso dos
fotologs entre as adolescentes brasileiras. Configurando-se também,
por conseqüência, um fenômeno de inegável utilidade
manual para a nossa juventude masculina em idade escolar”.
O paradoxo dos celulares - Coleira eletrônica
ou cachorras a um toque de distância?
O
avanço das telecomunicações na forma do telefone
celular certamente representa a maior dúvida entre os especialistas.
O sucesso da tecnologia não pode ser ignorado, uma vez que o número
de celulares ativos no Brasil já ultrapassou a quantidade de telefones
fixos residenciais e, em alguns países da Europa, já existe
mais de um celular para cada habitante.
A rápida
disseminação da tecnologia é explicada pela preocupação
dos pais que, frente à insegurança alarmante do mundo, utilizam
os celulares para vencer distâncias e se manter em contato com seus
filhos. Entre a garotada, no entanto, as razões de tanto sucesso
são outras, como explica Bernardo C. Pinto, Gerente de Marketing
da Oi para o segmento infanto-juvenil:
-
O jovem de hoje quer velocidade com estilo. O celular mostra um pouco
da sua personalidade e ajuda a fazer contatos. Serve de pretexto para
iniciar uma conversa e pode ser divulgado mais facilmente do que o número
residencial fixo, uma vez que é atendido somente pelo dono e também
é fácil de ser trocado no caso de algum maníaco sexual
começar a passar trotes de madrugada.
De fato,
os aparelhos modernos facilitam a vida social em todas as faixas etárias.
Menos de duas décadas atrás, por exemplo, anotar o telefone
de alguém que você conheceu numa boate podia se tornar um
martírio. Primeiro era necessário ter uma caneta, sendo
que nessas horas o garçom nunca aparece. Depois surgia a dúvida
cruel de onde anotar. Guardanapos eram a escolha mais popular e por isso
mesmo os mais fáceis de serem perdidos até o fim da noite.
Maços de cigarro funcionam bem, mas geralmente terminam no lixo
ou na bolsa de alguém que você não conhece. Já
escrever na mão implicava horas de esforço tentando descobrir,
no dia seguinte, se o último número era um quatro, um oito
ou um nove.
Hoje,
qualquer um pode categorizar seus contatos no celular. São hábitos
comuns dos usuários colocar apelidos, toques diferenciados, fotos,
recados, medidas corporais, notas sobre performance sexual e, mais importante,
decidir se atende ou não a mala que está ligando.
Para os jovens
que ainda estão descobrindo como se relacionar com o sexo oposto,
a possibilidade de enviar mensagens de texto, mensagens fotográficas,
desenhos e sons é uma benção dos céus, visto
que representam formas alternativas de contato e não trazem o “peso”
de um telefonema normal que deve ter começo, meio e fim. Sem contar
que o celular finalmente traz alguma verdade para aquela velha conversa
de “estava passando perto da sua casa e resolvi ligar”.
Tanta facilidade,
no entanto, também pode servir para o mal. Essa é a opinião
do sociólogo Eduardo Voltaço, que estuda as conseqüências
da perda de privacidade causada pela tecnologia do celular:
- Nas mãos
de uma esposa ciumenta ou de um marido desconfiado, o celular pode fornecer
provas irrefutáveis de uma traição ou simplesmente
gerar crises que levam ao fim do relacionamento. É fato
que nos últimos cinco anos, o número de divórcios
e crimes passionais aumentou de forma significativa no Brasil, acompanhando
a curva de disseminação da telefonia celular.
Como será no futuro
A pergunta
que não quer calar continua sem resposta. Os mais alarmados podem
dizer que o destino de nossas crianças é chegar aos quarenta
anos traumatizados por uma vida inteira dentro de um lar despedaçado,
sem fotos da infância e com espelhos até no teto do banheiro.
Outros, mais comedidos, afirmam que o máximo que pode acontecer
é aumentar o número de jovens criados pelas avós,
resultando num crescimento ainda maior no número de participantes
de paradas gay em todo o Brasil.
A
verdade é que nós não temos a resposta se a tecnologia
traz mais benefícios ou problemas, mas você pode fazer como
qualquer jornalista moderno e perguntar ao Google. É batata.
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